Não tenho receios de dizer que antes do meu equilíbrio e de minha formação na área da saúde mental eu fui paciente e uma mente focada no desfecho do suicídio. Ainda recordo o tempo de desequilíbrios emocionais e mentais em que estive inserida no meio do turbilhão que se transformou minha vida na fase em que tomei contato com minha mediunidade e não sabia o que era e por que eu sentia todo aquele mundo que os olhos físicos não podiam vislumbrar.
Lembro pouco dos momentos de crises, pois dentro deles, era um fio tênue, onde eu estava equilibrada e de repente um gatilho me levava para dentro da crise inconsciente, onde eu me debatia entre o planejamento da minha morte física e a vontade de estar fora de toda aquela situação. Lembro a última vez em que eu planejei e ia cumprir... Lembro que eu estava tão desesperada e perdida internamente e até hoje me admiro do meu poder de manipular as pessoas para que elas não notassem o que eu sentia ou desejava fazer. Era incrível a linha tênue que me separava da realidade e da loucura, eu vivia perambulando entre elas sem nem ao menos divisar onde iniciava uma e onde começava a outra, tão unidas estavam.
Naquele período eu lembro que a dor emocional era grande, pesada de mais para que eu conseguisse suportar sozinha, eu tinha nas mãos a responsabilidade de um recém nascido, minha adolescência desequilibrada, o divórcio traumático dos meus pais e uma paixão desde o período infantil que me deixou sozinha para cuidar de uma criança, a qual eu nem sabia exatamente como aceitar, como cuidar, como entender... Por trás do que eu demonstrava, dos sorrisos forçados e do choro que eu reprimia, eu me sentia enlouquecida, cega de medo e sem nenhuma luz no fim daquele túnel no qual eu tinha me inserido por imaturidade, imprudência e teimosia.
Naquela noite, depois de muitos meses sem dormir e com aquela criança ao meu lado, onde todos me cobravam responsabilidade e atitudes e me culpavam por aquele desfecho, eu entrei em surto, caminhei pela casa alienada, chorando desesperada e sem conseguir raciocinar direito, eu sentia dentro do meu peito e de minha consciência que eu jogara fora todos os meus sonhos, todos os planejamentos e que havia perdido tudo que me dava arrimo e forças para seguir... Sentia que tudo que eu fazia não era suficiente para aqueles que me cobravam e exigiam uma postura que eu não me sentia pronta para arcar... Naquela noite eu estava sozinha em casa, só eu e uma criança... Eu ouvia vozes que sussurravam aos meus ouvidos que eu não era nada e que eu devia ir embora por que eu me tornara um fardo e uma derrotada, pois colocara tudo a perder com minhas escolhas... Eu estava tão enlouquecida com aquela voz que sussurrava aos meus ouvidos cansados, aquela criança que não dormia, chorava, exigia tanto das minhas forças físicas que eu era um pálido fantasma do que eu fora um dia... Que eu ergui tão alto o volume do som, com uma música eletrônica, que o barulho era insuportável e me ajoelhei no chão em desespero, chorei tanto, tanto que me senti ainda mais sem forças... Naquele instante eu pedi por algo que me soerguesse, que me fizesse entender aquela dor que eu tentava esconder de todos, para não incomodar... Eu rezei para algo, ou alguém, eu não lembro... Eu pedi que aquele desespero cedesse e que aquela voz invisível, que me agredia, me deixasse em paz...
Quando dei por mim eu estava na porta do corredor, indo em direção a gaveta de facas, na minha mente aquela voz já me explicava como eu deveria fazer, usando os pulsos, andei mais um pouco e senti medo, foi uma sensação de consciência, pois por uma fração de segundos eu havia fugido da realidade e estava obedecendo aquele impulso desesperado de acabar com aquela falência de futuro que me esmagava, com aquela dor que apertava e destruía meus sonhos e minhas possibilidades de me sentir melhor...
Naquele momento eu olhei a gaveta, vi as facas e vi o que deveria fazer com meus pulsos... E eu chorei, por que eu não conseguia entender direito o que se passava e como eu me encontrava naquela situação, decidindo por uma forma de acabar com aquela situação exorbitante que me arrancava tudo que eu havia sonhado e planejado... Neste momento eu chorei minha dor de outra forma, eu queria estar viva, mas eu não tinha mais forças para suportar o que eu estava vivendo. Eu amava aquelas pessoas, mas, não suportava mais ser cobrada a dar – lhes algo que eu não tinha forças para lhes retribuir... Eu sabia de minha responsabilidade com aquela criança que chorava noite e dia e que não dormia durante meses, mas eu não sabia o que fazer para aplacar aquele cansaço que eu sentia no meu corpo, na minha mente e na minha alma...
Eu segurei a faca e respirei... E uma voz suave sussurrou aos meus ouvidos com todo amor que eu não estava sozinha e que havia outra forma de vencer tudo aquilo, todo aquele desespero... Do meu outro lado a voz insuportável me disse para continuar...
Eu senti tanto amor na voz do outro lado que minha atenção se prendeu a ela... Era a voz masculina mais doce e amorosa que minha alma cansada e saudosa já havia escutado... Em meio a toda aquela dor e desespero, em meio ao cansaço e cobranças de todos aqueles meses, fora a única voz que não me cobrou, mas me fez acordar do transe e ver uma nova luz dentro do meu turbilhão de emoções... Ele soprou aos meus ouvidos que estava sempre comigo e que me amava, que eu me permitisse uma nova chance, pois dali para frente eu conseguiria um novo rumo, uma nova esperança para não sentir tanta dor...
Eu larguei o que tinha em mãos e fechei a gaveta...
Daquele dia em diante ele nunca mais ficou invisível aos meus olhos físicos, daquele dia em diante eu fui guiada para um novo mundo que estava apenas escondido dentro de mim...
Daquele dia em diante eu fui me recuperando aos poucos, ainda escondendo minha dor dos que estavam comigo... Daquele dia em diante aquela voz me levou a um mundo de autoconhecimento para que eu nunca mais me perdesse de mim mesma e desse o direito de outras vozes me guiarem...
Longos anos se passaram desde aquela noite em que rezei ajoelhada me preparando para não sentir mais aquela dor descomunal e aquela sensação de que todo mundo me abandonara. Daquele dia em diante eu dei o melhor de mim, aceitei meus monstros e fui em busca daquela sensação que a voz havia me falado, a qual me levaria a um mundo novo.
Embasada em minha própria dificuldade emocional e em meus registros inconscientes, ainda por muitos anos eu lutei desesperada e silenciosa contra o desejo do suicídio. Centenas de noites eu chorei desesperada e calada, e nunca mais esqueci de pedir que aquela voz amorosa me ajudasse a ter forças para seguir em frente...
Durante muitos anos eu me trabalhei para aceitar aquela criança, para aceitar o novo corpo que a maternidade me dera, a separação e os anos de dificuldades de meus pais... E o abandono da minha primeira paixão de infância.
Dentro de todos aqueles anos, eu escolhi cuidar de mim e no caminho a voz me mostrou que eu seria ainda mais completa e feliz levando atenção e autoconsciência para aqueles que sentiam o mesmo monstro em que eu me debatia silenciosa. Escolhi a profissão que exerço hoje e deixei meus “pré – conceitos” de lado, abraçando com amor e respeito aquela voz que me tirou da alienação do suicídio e me conduziu a um mundo de paz e amor. Deixei o lado tradicional e inseri no meu trabalho a parte espiritual que dava norte aos navegantes que debatiam – se com os vendavais do suicídio... Eu sabia o que estavam sentindo, eu era um deles e eu sabia que havia outra estrada e queria que um sopro suave os alcançasse antes de escolherem a morte do corpo.
No processo eu estudei durante anos, tive casos de suicídio dentro de minha família que se consumaram e virei uma observadora do mundo extrafísico que os humanos não viam... Atuei em muitos casos e cuidei do meu próprio na parte espiritual, enquanto eu escancarava minha alma para um psicoterapeuta que me ajudava a escolher minha vida enquanto minha mente rebelde gritava por um desfecho rápido através da morte.
Durante meu processo de recuperação eu passei por sessões de regressão onde um mundo inconsciente se descortinou aos meus olhos, eu havia sido uma suicida por mais de 400 vidas, num eterno desassossego de alma, rebelde demais para aceitar aquela voz que sempre viera soprar aos meus ouvidos que havia uma outra possibilidade de sair com êxito de tudo aquilo que me engolia e não me deixava vir à tona. Presenciei a vida da minha alma e o que morria eram meus corpos físicos e nunca eu mesma, pois depois dos desfechos trágicos, eu acordava em outros locais, sentindo os estertores das mortes que eu planejava e levava a cabo.
Presenciei o horror de viver anos, morta, e ao mesmo tempo viva, relembrando desesperada a cada minuto o ato de matar meu corpo. E a voz me explicou que eu era rebelde, teimosa e que sempre renascia para vencer aquele ato horrendo, mas nunca me permitia a paciência necessária para vencer e seguir vitoriosa em frente.
A voz me disse que eu era a criatura mais teimosa que já conhecera, e que minha teimosia um dia me abriria portas... Naquele momento eu não entendi o que ele queria me dizer, mas eu confiei na sensação que ele despertava na minha alma, na confiança que eu sentia na presença dele. Rebelei - me muito, muito mesmo, ao ponto de nem mesmo eu me suportar, mas eu aceitei que era hora de um desfecho diferente e eu estava cansada de me matar e não morrer nunca. Estava cansada de formular mortes e levar a cabo com todo tipo de ferramentas, do veneno, o tiro, ao câncer, que era hora de lutar contra eu mesma e não mais contra o que os outros me faziam ou exigiam, era hora de eu entender que a responsável era eu e que só eu poderia mudar aquela situação caótica. Eu não queria mais matar meus corpos físicos e acordar em locais espirituais de tortura, onde eu era arrastada para todo lado, mal tratada, ridicularizada, onde eu sentia dor eternamente e me via matando meu corpo e o sofrimento dos que eu abandonava por não aceitar a vida como ela se apresenta.
A voz me fez ver que eu queria controlar tudo e viver dentro de uma perfeição que não existia, quando eu me defrontava com pessoas ou situações fora do que eu queria, como forma de vingança, eu matava meu corpo, achando que me livraria de todos e de tudo...
- Coitado daquele que acredita que tudo acaba, eu digo que depois do ato do suicídio, aí é que começa tudo, por que você vai ter que ressarcir o que fez, você burlou a lei, matou, tirou a vida de alguém, mesmo que este alguém seja você mesmo. Infeliz daquele mais apressado e rebelde que não aceita o que ocorre e acredita que tudo vai se apagar e vai virar uma escuridão sem sentidos. Quando o suicida abre os olhos do outro lado, o que o espera é milhões de vezes mais grave e aterrorizante do que o que ele vivenciava em vida física.
Eu estava morta, mas continuava presa no corpo físico que se decompunha no local do assassinato...
Eu estava morta, mas continuava sentindo o veneno corroer minha garganta e meu estômago...
Eu estava morta, mas continuava ouvindo os gritos de desespero dos que me amavam e que eu colocara naquela situação terrível...
Eu estava morta, mas era arrastada por seres escuros pela eternidade a fora...
Eu estava morta, mas continuava sentindo o desespero que sentia antes da morte física...
Eu estava morta, mas continuava solitária, sem amor, sem braços que pudessem me tirar daquele lugar de sombras e gritos medonhos...
Eu estava morta, mas continuava sentindo frio, fome, medo e saudade...
Eu estava morta, mas continuava pendurada na corda, sufocada, tentando me salvar no último momento de desespero em que meu copo sacudia desesperado...
Eu estava morta, mas continuava, mesmo sem um corpo físico...
Eu escrevo e minha mente pensa sobre os milhares de adolescentes, crianças e adultos que se perdem através desta decisão... Não me importo se é forte ou não o que escrevo, por que eu escrevo com consciência de causa e não por que alguém me contou. Eu só quero que você saiba que a vida não acaba, a dor não acaba, a morte não existe e principalmente, eu quero que você saiba que por mais horrível que seja o que você está vivendo, há sempre uma voz carinhosa, um caminho diferente, que tenta te guiar e você cego nem nota, envolvido demais em pensar que tudo tem que acabar...
A única coisa que acaba é o sofrimento, por que ele não é eterno, sempre vai existir uma forma de você revalidar o que está vivendo...
Sempre que você tiver em um corpo físico, lembre – se que a dificuldade que está vivendo só lhe foi entregue por que você aceitou e teve certeza de que conseguiria vencer... Nada é colocado na sua vida sem que você tenha forças para resolver.
Saia do turbilhão, reza, ore, converse com alguém, com algum poder que você creia, ou queira crer, nem que seja ajoelhado escutando uma música infernal, desde que você peça ajuda, eles vão interferir. Nenhum protetor espiritual vai te ajudar se você não der permissão, eles te amam demais para interferir no seu livre arbítrio.
- Agora, cá entre nós, pois eu já estive no seu lugar e luto ainda contra esta personalidade suicida, se você quer matar seu corpo, não diga que não foi avisado.
- E eu repito para você, se você ainda não entendeu: - A morte não existe e a dor não é eterna. Você só tem em sua vida aquilo que vai te fazer ainda mais forte, se dê um voto de confiança antes de optar pelo suicídio e você vai se surpreender com sua força e seu potencial de vencer.
Obs:
“Organização Mundial da Saúde (OMS) realizou o primeiro relatório global sobre o assunto. Uma pessoa tira a vida a cada 40 segundos no mundo. Em números, o Brasil é o oitavo país com o maior número de suicidas, onde teve quase 12 mil casos em 2012. A taxa, porém, corresponde à metade da média mundial, se for levado em conta o tamanho da população no país. A OMS aponta, ainda, que grupos vulneráveis como refugiados, imigrantes, índios, homossexuais e transgêneros apresentam índices superiores à média.
O suicídio mata 26 brasileiros por dia.
Fonte CVV”.
Paula Aguerre
Psicoterapeuta / Habilitação para Regressão Ética.